quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Os gays e a Bíblia - Frei Betto

É no mínimo surpreendente constatar as pressões sobre o Senado para evitar a lei que criminaliza a homofobia. Sofrem de amnésia os que insistem em segregar, discriminar, satanizar e condenar os casais homoafetivos.
No tempo de Jesus, os segregados eram os pagãos, os doentes, os que exerciam determinadas atividades profissionais, como açougueiros e fiscais de renda. Com todos esses Jesus teve uma atitude inclusiva. Mais tarde, vitimizaram indígenas, negros, hereges e judeus. Hoje, homossexuais, muçulmanos e migrantes pobres (incluídas as “pessoas diferenciadas”…).
Relações entre pessoas do mesmo sexo ainda são ilegais em mais de 80 nações. Em alguns países islâmicos elas são punidas com castigos físicos ou pena de morte (Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Nigéria etc).
No 60º aniversário da Decclaração Universal dos Direitos Humanos, em 2008, 27 países membros da União Europeia assinaram resolução à ONU pela “despenalização universal da homossexualidade”.
A Igreja Católica deu um pequeno passo adiante ao incluir no seu Catecismo a exigência de se evitar qualquer discriminação a homossexuais. No entanto, silenciam as autoridades eclesiásticas quando se trata de se pronunciar contra a homofobia. E, no entanto, se escutou sua discordância à decisão do STF ao aprovar o direito de união civil dos homoafetivos.
Ninguém escolhe ser homo ou heterossexual. A pessoa nasce assim. E, à luz do Evangelho, a Igreja não tem o direito de encarar ninguém como homo ou hétero, e sim como filho de Deus, chamado à comunhão com Ele e com o próximo, destinatário da graça divina.
São alarmantes os índices de agressões e assassinatos de homossexuais no Brasil. A urgência de uma lei contra a homofobia não se justifica apenas pela violência física sofrida por travestis, transexuais, lésbicas etc. Mais grave é a violência simbólica, que instaura procedimento social e fomenta a cultura da satanização.
A Igreja Católica já não condena homossexuais, mas impede que eles manifestem o seu amor por pessoas do mesmo sexo. Ora, todo amor não decorre de Deus? Não diz a Carta de João (I,7) que “quem ama conhece a Deus” (observe que João não diz que quem conhece a Deus ama…).
Por que fingir ignorar que o amor exige união e querer que essa união permaneça à margem da lei? No matrimônio são os noivos os verdadeiros ministros. E não o padre, como muitos imaginam. Pode a teologia negar a essencial sacramentalidade da união de duas pessoas que se amam, ainda que do mesmo sexo?
Ora, direis ouvir a Bíblia! Sim, no contexto patriarcal em que foi escrita seria estranho aprovar o homossexualismo. Mas muitas passagens o subtendem, como o amor entre Davi por Jônatas (I Samuel 18), o centurião romano interessado na cura de seu servo (Lucas 7) e os “eunucos de nascença” (Mateus 19). E a tomar a Bíblia literalmente, teríamos que passar ao fio da espada todos que professam crenças diferentes da nossa e odiar pai e mãe para verdadeiramente seguir a Jesus.
Há que passar da hermenêutica singularizadora para a hermenêutica pluralizadora. Ontem, a Igreja Católica acusava os judeus de assassinos de Jesus; condenava ao limbo crianças mortas sem batismo; considerava legítima a escravidão e censurava o empréstimo a juros. Por que excluir casais homoafetivos de direitos civis e religiosos?
Pecado é aceitar os mecanismos de exclusão e selecionar seres humanos por fatores biológicos, raciais, étnicos ou sexuais. Todos são filhos amados por Deus. Todos têm como vocação essencial amar e ser amados. A lei é feita para a pessoa, insiste Jesus, e não a pessoa para a lei.
Autor: Frei Betto

terça-feira, 24 de maio de 2011

Ricardo Gondim é expulso da Ultimato

Despeço-me da Revista Ultimato
Ricardo Gondim


Após quase vinte anos, fui convidado a “des-continuar” minha coluna na revista Ultimato. Nesta semana, recebi a visita de Elben Lenz Cesar, Marcos Bomtempo e Klênia Fassoni em meu escritório, que me deram a notícia de que não mais escreverei para a Ultimato. Nessa tarde, encerrou-se um relacionamento que, ao longo de todos esses anos, me estimulou a dividir o coração com os leitores desta boa revista. Cada texto que redigi nasceu de minhas entranhas apaixonadas.

Fui devidamente alertado pelo rev. Elben de que meus posicionamentos expostos para a revista Carta Capital trariam ainda maior tensão para a Ultimato. Respeito o corpo editorial da Ultimato por não se sentir confortável com a minha posição sobre os direitos civis dos homossexuais. Todavia, reafirmo minhas palavras: em um estado laico, a lei não pode marginalizar, excluir ou distinguir como devassos, promíscuos ou pecadores, homens e mulheres que se declaram homoafetivos e buscam constituir relacionamentos estáveis. Minhas convicções teológicas ou pessoais não podem intervir no ordenamento das leis.

O reverendo Elben Lenz Cesar, por quem tenho a maior estima, profundo respeito e eterna gratidão, acrescentou que discordava também sobre minha afirmação ao jornalista de que “Deus não está no controle”. Ressalto, jamais escondi minha fé no Deus que é amor e nos corolários que faço: amor e controle se contradizem. De fato, nunca aceitei a doutrina da providência como explicitada pelo calvinismo e não consigo encaixar no decreto divino: Auschwitz, Ruanda ou Realengo. Não há espaço em minhas reflexões para uma “vontade permissiva” de Deus que torne necessário o orgasmo do pedófilo ou a crueldade genocida.
Por último, a Klênia Fassoni advertiu-me de que meus Tweets, somados a outros textos que postei em meu site, deixam a ideia de que sou tempestivo e inconsequente no que comunico. Falou que a minha resposta à Carta Capital sobre a condição das igrejas na Europa passa a sensação de que sou “humanista”. Sobre meu “humanismo”, sequer desejo reagir. Acolho, porém, a recomendação da Klênia sobre minha inconsequência. Peço perdão a todos os que me leram ao longo dos anos. Quaisquer desvarios e irresponsabilidades que tenham brotado de minha pena não foram intencionais. Meu único desejo ao escrever, repito, foi enriquecer, exortar e desafiar possíveis leitores.

Resta-me agradecer à revista Ultimato por todos os anos em que caminhamos juntos. Um pedaço de minha história está amputada. Mas a própria Bíblia avisa que há tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou. Meu amor e meu respeito pela família do rev. Elben, que compõe o corpo editorial da Ultimato, não diminuíram em nada.
Continuarei a escrever em outros veículos e a pastorear minha igreja com a mesma paixão que me motivou há 34 anos.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Festa, Amor e Devoção


 Uma multidão que caminha em direção à Colina Sagrada. É  o caminho da fé que arrasta  pessoas de tradições, religiões e espiritualidades diferentes, mas têm em comum uma cultura popular que reúne festa, amor e devoção.

No período de Jesus era comum a junção desses três elementos: as festas religiosas, o amor à Deus e ao próximo e a fé. Tradição presente entre judeus e católicos até hoje.

No Brasil, a maior parte dos cristãos evangélicos/protestantes receberam uma tradição norte-americana ou européia, onde o puritanismo, o jeito intropesctivo, racional e silencioso de cultuar, e o anti-catolicismo são fortemente enraizados no modo de ser desses cristãos brasileiros. Assim, há rejeição a qualquer tipo de expressão religiosa que se assemelhe aos outros irmãos em Cristo. Também devido a perseguição católica àquele grupo desde sua chegada, os evangélicos e protestantes afastaram-se muito mais da cultura brasileira.

Mas esse cenário religioso experimentou modificações belas e significativas. 2011 foi o ano do primeiro Ato Interreligioso na maior festa religiosa da Bahia, a Lavagem do Senhor do Bonfim, que acontece a cada segunda quinta-feira do ano. Estavam representantes da Igreja Católica, do Candomblé, da Igreja Batista, e outros.

Estar presente nessa festa foi como pela primeira vez fazer parte do povo baiano e da minha cultura, experimentando minha espiritualidade  em meio à religiosidade popular. Andar 5 km e amarrar uma fitinha verde nas grades da igreja do Bonfim foi como colocar um pedido no Muro das Lamentações, ou beber um copo d'água abençoado pelo pastor neopentecostal ou pelo padre carismático da TV, ou ainda acompanhar durante sete quartas-feiras seguidas (sem faltar uma sequer) no  culto de oração de alguma igreja batista. Foi mais um ritual religioso, onde o que importa foi o meu pedido sincero ao Deus ao qual eu sirvo e amo. Mas o diferencial foi participar da maior festa religiosa da minha querida Bahia, me reconhecer na minha cultura, e exercitar a convivência e o diálogo interreligioso.

Nenhuma "opressão espiritual" vem da outra cultura, mas da nossa própria mente, quando, por preconceito, demonizamos o outro que é diferente de nós.

Oxalá haja paz e respeito entre as religiões!! Oxalá consigamos conviver com as diferenças!! Desejo para todos o Amor do Pai, Shalom e Axé!!!!

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

TEÓLOGO PRESBITERIANO PROPONE “MORATORIA SEXUAL” POR 5 AÑOS


El teólogo presbiteriano estadounidense nacionalizado costarricense Juan Stam propuso a las iglesias evangélicas una moratoria de cinco años, para que analicen con calma el asunto de la homosexualidad, dejen a los homosexuales en paz y se fijen en otros temas. Según informó ALC, en Costa Rica las alas conservadoras de la Iglesia Católica y las denominaciones evangélicas plantearon el ingreso del debate sobre la homosexualidad durante la campaña de las elecciones presidenciales realizadas este año en ese país.
El tema quedó demarcado por las balizas de la moralidad, amparado por versículos bíblicos. “Nos haría mucho bien recordar que los mismos pasajes bíblicos denuncian la avaricia, los avaros no entrarán en el Reino de Dios.
El Nuevo Testamento dice mucho más contra la avaricia y la codicia que contra la homosexualidad”, dijo Stam.   Para este teólogo, los evangélicos parecen estar presos de una obsesión por los temas sexuales, “como si fuesen los únicos problemas críticos de nuestro tiempo y como si de ellos dependiese el futuro de la iglesia y de la civilización”. Para Stam, las iglesias evangélicas “carecen de autoridad moral para que sus campañas antihomosexuales sean convincentes. Sus arengas contra la homosexualidad caen en el ridículo ante los sectores pensantes y críticos de la población, y, muchas veces, huelen a oportunismo e hipocresía”. En América latina, los evangélicos se destacaron por ser anti: anti catolicismo, anti comunismo, anti ecumenismo y ahora anti homosexualidad, señaló. “El evangelio es el ‘si’ y el  ‘amén’ de Dios; cuando lo negativo domina a la Iglesia, ella está doliente”, concluyó.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Jesus: O Deus que caminha entre os excluídos e marginalizados

Comentário Biblico de Apocalipse 2.1



Por Marcos Fellipe

Ao anjo da igreja em Éfeso escreva: "Estas são as palavras daquele que tem as sete estrelas em sua mão direita e anda entre os sete candelabros de ouro.

O pai preocupado em poupar sua filhinha de apenas 4 anos, aperta a mão sobre seus pequenos e assustados olhos, machucando-os. A menininha começa a chorar quando de repente a fera, uma grande leoa faminta ataca seu pai que ainda tentando protegê-la lança-a para longe. A pancada machuca-a segundos antes de ser devorada. Os romanos das arquibancadas se divertem com o espetáculo.

Ela tinha 17 anos, vivia cabisbaixa e triste com as zombarias dos vizinhos que a acusava de ser cristã. Por se reunirem em catacumbas, e lá celebrarem a ceia, os boatos corriam que cristãos eram comedores de carne e sangue de cadáveres. Todos seus amigos se afastaram, vivia só, à margem, excluída e fugida.

Ele não concordava com a atitude de seu melhor amigo e companheiro de lutas, que mesmo cristão prostrava-se diante do imperador. Naquele dia, por causa de sua reprovação, seu amigo recusou-se a prostrar-se e lá estava amarrado num grande madeiro, um dos muitos que rodeavam a cidade. Após alguns minutos ele iria olhar pela última vez nos olhos do seu amigo, que iria ser juntamente com outra centena de cristãos queimado para iluminar a festa do Imperador Nero.

É este o cenário comum dos cristãos do primeiro e segundo século. Viver era uma experiência dolorosa, angustiante. A morte e a escuridão por todos os lados. O Cristo que em breve viria os resgatar e estabelecer de uma vez por todas o reino de Deus não chegara.

A mensagem do Apocalipse vem para estes cristãos. Chega para trazer esperança onde ela há muito se despedira. Chega para ser resposta a perguntas feitas com dor e sangue: Onde está Jesus, que não nos livra desta aflição? Quando Deus irá transformar essa insuportável realidade?

A resposta é tão forte quanto a pergunta, é surpreendente, e desafia-nos até hoje. Jesus se apresenta como aquele que caminha entre os sete candeeiros de ouro, sendo que estes representam as igrejas de Cristo espalhadas pelo Império.
O texto trata as igrejas como os candeeiros, os candelabros. A igreja, os cristãos, os marginalizados e excluídos, os torturados, os que estão sendo mortos e exterminados, os aflitos, angustiados e desesperançosos, são aqueles que podem e que trarão luz à realidade.

Os candeeiros não são como as lanternas que podem direcionar o foco da luz, o candeeiro para que todos usufruam de sua luz deve ser colocado no centro do povo e não a frente, enquanto ilumina o caminho o candeeiro também ilumina tudo que está a sua volta. Ser luz não é estar a frente do povo com a verdade na mão e esperando que o povo nos siga como rebanhos. Ser luz aqui é iluminar os caminhos, que se constroem na caminhada.

Luz que Ilumina inclusive a presença de Jesus que caminha com o povo, que está no meio da sua igreja entre os marginalizados e excluídos, os rotulados como diferentes, os que não se renderam ou se venderam ao sistema. Jesus não está distante, ele está entre o povo que sofre. Ele não se afastou dos seus, ele caminha conosco. Jesus estava na arena junto com a família que foi atacada pelos leões, está com a adolescente que não tem mais amigos, por ser cristã, estava até quando Nero usou os cristãos como tochas para iluminar Roma.

Por conta da imagem de um Jesus todo poderoso criada pela igreja triunfalista em moda ultimamente, fica difícil responder perguntas como a feita por exemplo tempos atrás diante do desastre do Haiti. Infelizmente cristãos foram capazes de afirmar que o desastre era fruto do pecado haitiano, de posse dos texto bíblico, podemos afirmar que Jesus o Cristo estava lá, em meio aos escombros.

Basta conseguirmos perceber o diferente em nosso meio, perceber o rosto do excluído do marginalizado, dos aflitos, dos que sofrem entre nós, quando os percebermos estaremos próximos de perceber a presença de Jesus em nosso meio. Quando trouxermos luz a esta infeliz realidade da qual participamos e somos sustentadores, estaremos próximos dos passos de Jesus, estaremos caminhando com Ele, na consumação, no estabelecimento do seu Reino entre nós. 


Sobre as sete estrelas, aí só uma outra conversa...

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A VERDADE DO PREGADOR

O pregador, enquanto mediador da mensagem divina, ocupa lugar fundamental na pregação. Ele é reconhecido pelos ouvintes como o “canal da Palavra de Deus”, aquele que entrega o “recado de Deus” para os fiéis. A ideologia do “Ungido de Deus” camufla o sujeito histórico, suas visões de mundo, seus preconceitos e seus interesses nem sempre divinos, desvinculando-o da mensagem pregada.

Os próprios pregadores se compreendem como mediadores especiais e legítimos da mais pura e verdadeira palavra de Deus. Jerry Stanley Key, famoso pastor batista e professor de homilética diz pretensiosamente: “A nós, filhos de Deus, cabe o glorioso privilégio de sermos porta-vozes da palavra que dá vida”.

Entre os católicos também não é diferente, Leonardo Boff denunciou em Igreja Carisma e Poder que a autoridade religiosa se considera como a principal, se não a exclusiva, portadora da revelação de Deus ao mundo, com a missão de proclamá-la, explaná-la, mantê-la sempre intacta e pura e defendê-la. Guardadas as diferenças entre os cristianismos protestante e católico, não vemos motivos para não associar esta postura das autoridades católicas às praticadas pelos líderes das tradições protestantes, como deixa ver a declaração do pastor Stanley Key.

Parece que o princípio do sacerdócio universal de todos os crentes, pressuposto basilar da reforma, segundo o qual todos os crentes estão capacitados para, auxiliados pelo Espírito Santo, lerem e interpretarem a Bíblia, anda bastante desbotado nas igrejas protestantes, que preferem revigorar discursos e atitudes sacerdotais.

Boff observa habilmente que “esta compreensão da revelação divina como comunicação de verdade carrega consigo imediatamente uma conseqüência grave para o problema dos direitos humanos: a intolerância e o dogmatismo. Quem é portador da verdade absoluta [...] não pode tolerar outra verdade”. Aqueles que pretendem possuir a verdade redundam em intransigência e absolutismo.

As intolerâncias em geral e, em particular a intolerância religiosa, já se exasperaram suficientemente para percebermos que não podemos mais ambicionar a propagação de uma verdade única.

Enquanto o pregador continuar falando de um lugar praticamente inalcançável aos crentes, como se ele se transformasse em um ser semi-divino quando sobe ao púlpito, não será possível o desenvolvimento de cristãos autônomos, capazes de dialogar criticamente com o sermão exposto.

As asneiras políticas que protestantes e católicos têm difundido através das redes sociais na internet mostraram, mais uma vez, a alienação religiosa e o espírito de rebanho que submete a grande massa de evangélicos do Brasil.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

A COPA DO MUNDO E O MUNDO DA COPA






Para além de dribles, gols, defesas e grandes lances, as expectativas proporcionadas pela Copa do Mundo de 2014, no Brasil, movimentam jogos bem diferentes do futebol. Jogadores nada atléticos como políticos, empresários e marqueteiros já estão entrando em campo de olho nos dividendos eleitorais, econômicos e publicitários que poderão adquirir com o possível sucesso da competição.

Afora proporcionar um grande espetáculo do esporte preferido dos brasileiros, o governo espera, com o Mundial, demonstrar simbolicamente a pujança do desenvolvimento econômico e social do país, aproveitando para isso o palanque mais assistido do mundo. Caso a seleção faça a sua parte e conquiste o hexacampeonato, não serão poucos os que profetizarão ser a Copa o marco da entrada do Brasil no grupo das potências mundiais, sendo o símbolo do rompimento da sua eterna condição de país do futuro (subdesenvolvido, em desenvolvimento, emergente, terceiro mundo...)

Todavia, tamanhas expectativas poderão tornar-se em histórica frustração, caso os responsáveis pelas diversas obras e a organização necessárias à concretização do evento não tenham claro em suas mentes um planejamento sério das ações e atividades a serem realizadas. A definição dos objetivos e metas para a Copa e, inclusive, para o pós-Copa precisam ser definidos a partir de competência técnica, racionalidade administrativa e, sobretudo, responsabilidade política. O controle da qualidade das ações e do cumprimento dos prazos deverá ser observado rigorosamente, sob pena de desperdício de dinheiro público e prejuízo da imagem do Brasil nos círculos internacionais.

Muito mais do que estar atentos ao trabalho de Mano Menezes e da preparação de Robinho, Neymar, Ganso e Cia, tomara que os torcedores brasileiros não se esqueçam de fiscalizar os vultuosos investimentos de verbas públicas e exigir que as obras a serem realizadas beneficiem amplamente as populações das cidades que hospedarão o Mundial, pois, caso contrário, terão que se contentar, mais uma vez, com os lucros conseguidos com a venda de cerveja e salgadinhos durante o evento.

P.S. Não era bem o que eu queria e como eu queria escrever, mas também não é o que os avaliadores da CESPE no concurso do MPU gostariam de ler... Espero que a minha pequena ousadia não seja reprovada... rsrsrs (O tema da redação era a Copa do Mundo e o Planejamento Estratégico)

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Discurso de Formatura - Bacharel em Teologia

Discurso pronunciado no Culto de Ação de Graças pela colação do grau de Bacharel em Teologia no Seminário Teológico Batista do Nordeste - STBNe. Turma 2010.1.


Orador: Marcos Fellipe

 Não iremos iniciar aqui agora um discurso, vamos apenas dar voz a esse discurso que vem sendo dito há muitos anos. Em especial há 4 anos e meio quando a maioria de nós deixamos nossos lares, a companhia das pessoas que amamos, nossas queridas igrejas para atender um chamado, caminhar em direção a nossa vocação.

“Ao invés de tomar a palavra, gostaríamos de ser envolvidos por ela e levados bem além”. Sair do lugar comum das palavras que são ditas e adentrar no misterioso mundo das palavras que se dizem... E assim acompanhar essas vozes sem nome que nos precedem.(1)
 
Nessas linhas estão um pouco de nossas vidas, nossas conversas em salas de aula, nos corredores, nas mesas de estudos e outras mesas mais. Mas não somos os únicos autores deste.

Não há como não dividir a autoria deste discurso com vocês: família, amigos que são parte essencial da construção do que somos hoje.

Não há como não dividir deste discurso com aquelas pessoas com quem mais conversamos nestes anos, vivos e mortos que dividiram conosco sua sabedoria. Com os quais muitas vezes tivemos o prazer de passar noites inteiras conversando. Leonardo Boff, Foucault, Nietzsche, Rubem Alves (o tio de Cássio), Von Rad e Lutero, amigos de longas conversas com Percival e Luís, Elizabeth Fiorenza, parceira de Crícia, Paul Tillich, Ivone Gebara, a madrasta de Julinho, Emanuel Levinas. E principalmente Jesus de Nazaré ...

Não há como não dividir a autoria deste discurso com os pobres, com os marginalizados, com os excluídos, Essas pessoas que com a expressão dos seus rostos, e com as histórias de suas vidas nos desafiam a nos preparar para construir juntamente com eles uma realidade menos injusta... Que nos desafiam a ser voz dos sem-voz e sem vez...

E finalmente não há como não dividir a autoria deste com os nossos professores... Com estes tivemos conversas e lições incríveis.

Chegamos aqui cheios de certezas... "Tão convencidos estávamos nós dos caminhos que estávamos seguindo que nos matriculamos numa escola onde se ensina certezas e proibições, um seminário, porque o nosso desejo era conduzir as almas pelos caminhos que nós seguíamos." (2) Acreditávamos que encontraríamos professores que nos ensinaria como conduzí-las. Mas, que bom que estávamos errados. As primeiras lições que tivemos foi que a aprendizagem é também a habilidade de desaprender.

Concluímos rapidamente que Alberto Caeiro quando escreveu estes versos era certamente um calouro de Teologia:

Procuro despir-me do que aprendi,

Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram

E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos.

Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,

Desembrulhar-me e ser eu [...]

Isso exige um estudo profundo,

Uma aprendizagem de desaprender.

Nossos professores tentaram nos conduzir por esses perigosos caminhos do conhecimento. Vocês foram maravilhosos, muito importantes para cada um de nós, mas alguns de vocês foram surpreendentes.

Com orgulho somos Turma Jorge Luiz Nery, nome do nosso incansável professor que sempre acreditou em nosso potencial como estudantes. Sem tempo, sem recursos, sem apoio da direção, não foram poucas as mesas redondas, os mini-cursos, as viagens, atividades interdisciplinares, esforços que extrapolavam em muitos suas obrigações. Jorge! Você foi surpreendente.

Aletuza Leite que deu-nos a honra de ser nossa paraninfa, conseguiu nas poucas disciplinas que ministrou nos conquistar, rapidamente tínhamos mais que uma relação de professor-aluno, éramos amigos, e essa amizade nos proporcionou crescimento incrível. Seu jeito leve de viver, Sua teologia engajada e cheia de vida nos desafiou a sermos mais.

Lembro-me da primeira aula que tivemos com um outro desses incríveis professores, no lugar de nos ensinar verdades nos fez pensar, e ter dúvidas, nos ensinou que certezas são prisões, nos ensinou a perceber a beleza que há nas pequenas coisas, nos gestos simples. Mais do que filosofia nos ensinou a que a vida nunca é ponto final, "Viver é etecétara." (3) 

Quando conhecemos a figura, nos encantamos de cara, acreditávamos que ele nos conduziria a um novo caminho, ser discípulos radicais de Jesus Cristo. Mas o que lemos em seus olhos e em suas palavras foi que não há caminhos, “os caminhos se fazem ao caminhar”.

Sabiamos que ele não duraria muito tempo aqui, uma instituição construída sobre verdades e proibições não poderia suportar a presença de alguém que ensina dúvidas e liberdade. De quem estou falando turma??

Em suas instigantes aulas de filosofia em que constantemente éramos desafiados a construir juntos o conhecimento, nos preparamos para adentrar no mundo do estudo da teologia, que já nos esperava.

Em todos esses anos que não estávamos na companhia de vocês, estivemos na companhia da história do Cristianismo, da Psicologia, da eclesiologia e do estudo sistemático e criterioso da Bíblia.

Aprendemos nas aulas de história do cristianismo que a história foi sempre escrita a partir dos vencedores, dos poderosos. Logo fomos desafiados a reler a história a partir dos menores, dos esquecidos, dos derrotados, dos oprimidos pelos sistemas de dominação.

Nas disciplinas de Bíblia aprendemos a ler os textos em sua línguas originais. Foram muitas noites em claro para aprender Grego e Hebraico. Aprendemos que toda leitura é uma interpretação que não há como alcançar a verdade dos textos, no máximo optar por alguma possibilidade responsável. Isso nos distanciou da pretensão da verdade e da vaidade do poder. Aprendemos que Deus escreveu apenas um livro: a vida. E a habilidade de manusear a Bíblia seria ferramenta indispensável para lermos a vida em seus inúmeros movimentos.(4)

Passamos também pelas disciplinas do campo da psicologia, mentoreamento eclesiologia e outras.

Fomos continuamente desafiados nas disciplinas de Teologia... Mas o que é Teologia? Estava conversando com Crícia em uma conhecida mesa de estudos, e ela relatou-me a acontecença. Perguntaram-lhe o que era isso em que ela iria se formar. O que é Teologia? Para que serve? O que vc vai fazer com isso?

Qual o instrumento de trabalho do teólogo? A do agricultor é a enchada com a qual ele ara a terra. Com o estetoscópio o médico examina os pacientes. O instrumento de trabalho do teólogo é A Palavra, com as palavras o teólogo constrói e destrói mundos. Ser teólogo é dominar a arte de criar e destruir mundos através das palavras.

O mundo do Antigo Testamento que era regido pelo Deus Tribal guerreiro de Israel o qual legitimava a guerra pela posse de Terras, a matança de crianças foi recriado pelos profetas que ousaram um mundo de justiça, onde Deus era Deus de todos.

Martin Luther King, através das palavras ajudou inúmeros negros norte americanos a lutar por um mundo mais justo, suas palavras até hoje ecoam e nos desafia a criar um mundo mais humano e igualitário.

Mas o maior criador e destruidor de mundos foi Jesus de Nazaré que a luz das escrituras, mas não escravizado por ela, em um mundo em que Deus era o Senhor, nos apresentou um Deus servo de todos e todas. Como menor de todos partilhou sua vida conosco. Desde que o filho do homem, estraçalhado e crucificado, ressuscitou dentre os mortos, se antecipou a definitiva libertação e se mostrou ineludivelmente que a vida é mais forte do que a morte e foi criado o mundo em que a utopia é mais real do que todos os realismos políticos e econômicos. Ser Teólogo é assim como Jesus, dominar a arte de criar e destruir mundos.

Ser teólogo é ser desafiado a fazer teologia em meio aos movimentos da vida, fazer teologia onde o Espírito está soprando, de dentro do Furacão.(5) Ser teólogo é responder ao escândalo da Reforma Agrária, é lutar pelo direito dos excluídos, é empoderar pelo poder da Palavra os desempoderados, os negros, os pobres, os homossexuais, as crianças, as mulheres.

Essa teologia nos desafia a ser pastores, a cuidar mais das pessoas e menos das instituições. Igrejas são pessoas. Pessoas que são massa humana, negadas como sujeitos históricos, sem consciência libertária e sem um projeto de futuro, massa sempre manipulada pelas ideologias das elites, com raríssimas exceções.

Fomos tentados durante o curso e certamente continuaremos sendo, a seguir pelos caminhos mais fáceis e cômodos Tentados a ser meros imitadores de mentes estéreis. Por muitas vezes optarmos em não seguir os caminhos comuns, já dantes traçados e por isso fomos apontados e rotulados. Mas em tudo tentamos ser nós mesmos, conservadores ou progressistas.

Fomos tentados a ser grandes enquanto Jesus nos desafia a ser os menores. Mas pela força do Espírito seremos os menores, servos de todos...

Para usar uma imagem muito usada no Seminário, em que há um fusquinha no caminho de um caminhão numa ladeira. Iremos optar sempre em ser os fusquinhas, por identificarmos este com o projeto do reino de Deus. O caminhão só transita nas grandes avenidas. Mas os movimentos da vida não se dá apenas nas grandes avenidas, mas nos becos, nas vielas, nas baixadas e nos morros, onde o grande caminhão não tem acesso. Ser cada vez menores.

Encerramos esse curso hoje com a alegria de ter desbravado caminhos, com a alegria de termos sido teologarte, com a alegria de termos sonhado e trabalhado por um curso melhor, com alegria de ter construído laços duradouros e deixado marcas. Com a alegria de termos sonhado juntos com uma Igreja que seja sinal e antecipação do reino de Deus, que é reino de justiça paz e alegria no Espírito Santo. Sonhar juntos nos fez irmãos e assim prosseguiremos.

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1 Paragrafo basedo no discurso da aula inaugural e Foucault no College de France.
2 Fragmento de um texto de Rubem Alves em uma homenagem a Richard Shaull.
3 Riobaldo em Grande Srtão Veredas.
4 Idéia muito comum de Carlos Mesteres.
5 Conceito chave de Richard Shaull em seu livro De dentro do Furacão.


quarta-feira, 7 de julho de 2010

Deus além de Deus

O ininterrupto conflito que há no interior das religiões, é sem dúvida, interessante e intrigante. Conflito interno que se dá entre movimento e instituição.
Há uma força na religião que a lança ao novo ao inesperado ao espontâneo. O grande mistério que perpassa a experiência religiosa move a pessoa religiosa, muitas vezes em direção ao inexplicável.
Da mesma forma há uma força na religião que a fixa, a estaciona, amarra-a nos lugares de êxito, nos espaços onde houve experiências tidas como positivas. Essa força chamamos de instituição. A instituição estabelece, torna uma experiência norma, padrão, institui algo como regra a ser mantida.
No interior da religião podemos perceber várias características que expressam esse conflito. Os ritos, as leituras bíblicas, são instituições que são caras às religiões cristãs. Algumas liturgias podem também virar instituições quando se tornam algo rígido, não afeito a mudanças.

A imagem de Deus é um aspecto da religião que traz fortemente este conflito. Cada cultura, cada povo, comunidade e até cada pessoa, constrói uma imagem de Deus. Podemos ver isso com tranqüilidade nos textos fundantes da nossa cultura: os mitos gregos e o texto bíblico. As imagens são criadas, mas logo substituídas por outras imagens que atendem a novas necessidades.
Rollo May constata esse fato que para ele só é possível por uma atitude de coragem, para propor novas imagens de Deus que conteste a que a precede.

“Aqueles que chamamos de santos rebelaram-se contra um Deus que, segundo a sua visão interior de divindade, tornara-se inadequado e obsoleto. Os ensinamentos que os levaram à morte elevaram o nível ético e espiritual das sociedades em que viveram e das sociedades futuras. Sabiam que Zeus, a divindade invejosa do monte Olímpio, já não servia. Assim, Prometeu é a religião da compaixão. Rebelaram-se contra Javé, o deus primitivo das tribos hebraicas, que alimentava a sua glória com a morte de milhares de filisteus. Foi substituído pelas visões que Amós, Isaías e Jeremias tinham de Deus: um Deus de amor e de justiça. A rebelião foi provocada por um novo conceito de divindade. Rebelaram-se, como diz Paul Tillich, contra Deus, em nome do Deus além de Deus. A presença contínua do Deus além de Deus é a marca da coragem criativa, no campo da religião.”

Em conversa com o tio de um amigo, ele me disse... “Um mar que se compreende não passa de um aquário, um Deus que se compreende não pode ser grande coisa.”
Para conhecer pouco mais a Deus necessitamos de atitudes de coragem e fé. Fé para aceitarmos que a imagem que temos de Deus é incompleta. Coragem para aceitar, perceber outras faces de Deus e que o outro, aquele que é diferente de mim, pode me apresentar um rosto de Deus que ainda não conheço, mesmo que quando eu olhe, ache feio, estranho, diferente. Foi assim que os sacerdotes se comportaram diante do Deus amoroso apresentado por Jesus.

Que o Deus que está além de Deus, tenha misericórdia de nós e nos envie coragem e fé, para que possamos construir juntos uma religião que esteja apta a desenvolver-se em meio aos movimentos da vida. Capaz de perceber e acolher os outros, aqueles que têm uma imagem de Deus diferente da que criamos e a que instituímos em nossos dogmas e tradições cristãs.